A sociedade precisa saber: muitas Santas Casas estão fechando suas portas
Uma tragédia de grande magnitude muitas
vezes só é percebida quando é tarde para fazer alguma coisa. Aí todos se
perguntam, em tom de lamento ou indignação, como um determinado desastre foi se
formando e como deixamos isso acontecer.
As Santas Casas de Misericórdia e muitas outras instituições
filantrópicas estão em situação pré-falimentar. Não se trata de exagero afirmar
isso. Nos últimos cinco anos, 315 dessas instituições fecharam as portas e com
isso 7.000 leitos, que poderiam salvar muita gente, deixaram de existir para o
Sistema Único de Saúde (SUS).
A tragédia não termina aí. Outras 752 instituições filantrópicas
estão extremamente endividadas. O crédito consignado dessas instituições
atingiu a bagatela de R$ 10 bilhões, com prestação mensal aos bancos de R$ 115
milhões, o que torna insustentável sua manutenção.
Quando se fala em Santas Casas muitas vezes o leitor não tem
ideia da abrangência de sua atuação. Trata-se da maior rede hospitalar do
Brasil, com 1.824 hospitais, 1.078 maternidades, 169 mil leitos hospitalares,
26 mil leitos de UTI. É o único serviço de assistência pública de saúde em 824
municípios. Além disso, gera mais de 1 milhão de empregos diretos e
qualificados, salários cujo pagamento está ameaçado pela crise.
O SUS depende das Santas Casas e das demais instituições
filantrópicas. Cerca de 70% de todos os procedimentos de alta complexidade
gratuitos ao beneficiário do SUS são realizados lá. Se as Santas Casas
quebrarem, o SUS entra em colapso imediatamente.
A sociedade deu a devida importância ao SUS no enfrentamento à pandemia
da Covid-19. Pois bem, apesar de todas as dificuldades, as Santas Casas abriram
nesse período mais de 10 mil leitos voltados ao atendimento desses pacientes.
Por tudo isso, é inconcebível a forma como as autoridades tratam
a questão do financiamento dessas atividades. A tabela do SUS cobre, em média,
60% dos custos efetivos dos procedimentos realizados e não é reajustada há mais
de duas décadas. O governo paga R$ 400 por uma cirurgia de hérnia, por exemplo,
incluindo nesse valor os honorários médicos. As linhas de crédito oferecidas
pelo governo até o momento têm juros, condições de prazos e garantias de
mercado onerosas para a realidade destes hospitais.
Queremos continuar nossa missão de atender com qualidade e
gratuitamente os pacientes do SUS, honrando um compromisso assumido desde sua
existência. Queremos continuar investindo para que o melhor da medicina esteja
disponível a quem precisa. Ajudem-nos pressionando as autoridades a dar às
Santas Casas o tratamento que merecem. Lutamos muito para construir esse grande
complexo de saúde que é orgulho internacional. Não podemos deixar que ele
acabe.
Mirócles Veras - Presidente da Confederação das
Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB).